Bothrops
Resumo
Os acidentes causados por animais peçonhentos
ainda constituem problema de Saúde Pública no Brasil. Embora a produção
e a distribuição dos soros no país encontrem-se estabilizadas, há problemas relacionados à notificação de acidentes deste tipo em várias regiões. Considerando
esta realidade, foi realizado um estudo transversal entre janeiro e dezembro de 2005, utilizando documentação indireta sobre os acidentes ofídicos ocorridos em Campina Grande e 80 municípios adjacentes
à região, com o objetivo de conhecer o perfil epidemiológico e clínico deste tipo de caso. Todos os pacientes atendidos tiveram
diagnóstico médico de acidente por serpentes realizado pelo Centro de Atendimento
Toxicológico de Campina Grande (Ceatox-CG). Os dados foram coletados através da ficha de notificação do Sinan (Sistema Nacional de Notificação de Agravo do Ministério da Saúde). Para análise dos dados, foi utilizada estatística descritiva e os dados foram tabulados no programa Microsoft
Excel 2003. Dos 1.443 atendimentos no Centro, 737 foram causados por animais peçonhentos e, destes, 277 foram provocados
por serpentes peçonhentas e não peçonhentas. Os acidentes predominaram no sexo masculino, na faixa etária de 10 a 29 anos, principalmente em agricultores na zona rural, entre maio e novembro de 2005. O gênero Bothrops foi responsável pelo maior número de casos (71,5%), e as extremidades superior e inferior do corpo foram os locais de maior predominância de ataques. Na extremidade inferior, foi atingido principalmente o pé. Em relação à gravidade, foram mais frequentes os acidentes
classificados como leves causados pelo gênero Bothrops e apenas um paciente evoluiu para óbito. A média do tempo de atendimento, em horas, foi superior a 12 horas nos acidentes considerados graves, causados pelos gêneros Bothrops e Crotalus. Nossos resultados concordam com o perfil epidemiológico nacional dos acidentes ofídicos, atingindo com maior frequência o sexo masculino – trabalhadores rurais, na faixa etária produtiva de 10 a 49 anos – atingindo,
sobretudo, os membros inferiores, e a maioria desses acidentes foi atribuída ao gênero Bothrops.
Palavras-chave: Picada de Cobra. Epidemiologia.
Paraíba. Brasil. Cobras (BVS: Scielo).
Introdução
O estudo do ofidismo no Brasil teve início com os trabalhos desenvolvidos nos primórdios do século XX por Vital Brazil no Instituto Serumterápico, hoje Instituto Butantan. Ao iniciar a produção de soros, este pesquisador introduziu os “Boletins para Observação dos Acidentes Ofídicos”, porém até a década de 80 os estudos de notificação eram localizados, sendo realizado
principalmente na região Sudeste. Por outro lado, havia deficiência na produção do soro. Em maio de 1986, várias medidas foram instituídas pelo Ministério da Saúde, dentre as quais podemos citar a criação do Programa Nacional de Ofidismo, na antiga Secretária de Ações Básicas da Saúde (SNABS/
MS). Os acidentes ofídicos passaram então a ser de notificação obrigatória no país, permitindo uma relação de troca de informações epidemiológicas por soro entre as Secretarias Estaduais e o Ministério da Saúde. Com a implantação deste sistema aprimoraram-se os dados sobre ofidismo, mostrando características epidemiológicas e clínicas que permitiram o planejamento de ações de controle.
O Brasil apresenta diversas famílias de serpentes. Dentre estas, somente duas abrangem as serpentes consideradas peçonhentas:
a família Viperidae, destacando-se a subfamília Crotalinae, à qual pertencem os gêneros Crotalus (Cascavel), Bothrops (Jararaca) e Lachesis (Surucucu); e a família Elapidae, que engloba o gênero Micrurus, cujas espécies são conhecidas popularmente
por corais verdadeiras1.
É de grande relevância que se conheça o gênero a que pertence a serpente para que se possa tomar medidas terapêuticas fundamentais
em caso de acidente. Contudo, o diagnóstico é feito, em geral, através dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente,
em consequência das atividades tóxicas causadas pela inoculação da peçonha2.
Dentre os animais peçonhentos, as peçonhas
das serpentes são, provavelmente, as mais complexas, pois contêm vinte ou mais componentes diferentes, sendo mais
de 90% de seu peso seco constituído por enzimas, toxinas não enzimáticas, proteínas e proteínas não tóxicas. As frações não protéicas
são representadas por carboidratos, lipídios, aminas biogênicas, nucleotídeos e aminoácidos livres3.
O conhecimento da composição dos venenos e seus principais efeitos sobre o organismo humano permitem ao médico reconhecer o gênero da serpente responsável
pelo acidente e selecionar a soroterapia
adequada, mesmo na ausência da serpente2.
A letalidade dos acidentados varia em diferentes regiões do mundo. Na Europa, Estados Unidos e Canadá, os acidentes ofídicos são relativamente raros. Cerca de 90% dos 8.000 envenenamentos ocorridos por ano são hospitalizados, resultando entre 15 a 30 casos fatais. Na África, a frequência dos acidentes ofídicos é precariamente documentada. Dos 500.000 casos de acidentes
ofídicos, 40% são hospitalizados, resultando em 20.000 óbitos por ano. Na Ásia, principalmente no Paquistão, na Índia e na Birmânia, os acidentes ofídicos provocam de 25.000 a 35.000 óbitos por ano, sendo causados por uma das serpentes mais importantes do mundo: a Vipera russelli. No Japão a incidência geral é de aproximadamente
1/100.000 habitantes e a letalidade é inferior a 1%4.
Entre os países sul-americanos, o Brasil é o que apresenta maior número de acidentes/
ano5.
O território brasileiro conta com 250 espécies de serpentes, sendo 70 delas consideradas peçonhentas6. Somente no ano de 2005 foram notificados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 97.244 envenenamentos por animais peçonhentos, dentre os quais as serpentes contribuíram com 28.702 casos (29,52%)7.
No Brasil os dados sobre acidentes por animais peçonhentos são coletados através de sistemas de notificação como: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/MS), Sistema de Nacional de Informações
Tóxico-Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz/MS), Sistema de Informações Hospitalares
do Sistema Único de Saúde/MS e o
SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade/
MS). Apesar de todos estes sistemas, os dados epidemiológicos disponíveis não retratam a real magnitude do problema, provavelmente devido à subnotificação dos casos, tendo em vista, entre outros fatores, as dificuldades de acesso aos serviços de saúde de muitos municípios brasileiros.
O presente estudo pretende contribuir para a caracterização do perfil epidemiológico
e clínico dos acidentes ofídicos no município de Campina Grande e cidades circunvizinhas.
Metodologia
Local do estudo
O município de Campina Grande está localizado no Agreste Paraibano, distante 120 km de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística - IBGE, este possui uma área territorial de 671 Km2 e uma população constituída de 379.871 habitantes, sendo que 46,87% são homens e 53,2% são mulheres8. Por dispor de uma posição geográfica privilegiada, Campina Grande é um polo de convergência, com aproximadamente 232 municípios, tanto da Paraíba, quanto de estados vizinhos, cujos habitantes se deslocam para o município em busca dos serviços oferecidos, entre os quais os de saúde.
Esta pesquisa foi realizada no Centro de Assistência e Informação Toxicológica (Ceatox),
serviço oferecido pelo Departamento de Farmácia da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB em parceria com o Hospital Regional de Urgência e Emergência de Campina
Grande (HRUECG). Este serviço, que é considerado de referência para o Município de Campina Grande e o Estado da Paraíba, é dirigido à população em geral, funcionando em regime de plantão permanente.
Desenho e população de estudo
Trata-se de um estudo transversal, utilizando documentação indireta, sobre
os acidentes ofídicos ocorridos em Campina
Grande e cidades circunvizinhas, entre janeiro e dezembro de 2005. Todos os pacientes incluídos no estudo apresentavam
diagnóstico médico de acidentes por serpentes no Ceatox-CG. Os dados foram coletados através das fichas de notificação do Sinan para Animais Peçonhentos, do Ministério da Saúde.
Variáveis de estudo
Foram analisadas as seguintes variáveis: demográficas, socioeconômicas, e as relativas
ao acidente, ao gênero da serpente; e as clínicas.
A gravidade do envenenamento foi classificada conforme recomendação do Ministério da Saúde: leve, moderado ou grave, nos acidentes botrópicos e crotálicos, e grave no acidente elapídico 9.
Análise dos dados
Os dados foram tabulados e analisados através de estatística descritiva no Microsoft Excel, versão 2003.
Resultados
No período estudado foram atendidos e notificados 1.443 casos de intoxicações
por biocidas, medicamentos, animais peçonhentos,
plantas tóxicas, drogas de abuso e produtos químicos. Destes, 737 casos foram causados por animais peçonhentos, sendo que 277 foram causados por serpentes (Tabela 1).
Table 1 – Prevalência dos casos de intoxicações e acidentes com plantas e animais peçonhentos no Ceatox-CG durante o ano de 2005.
Tabela 1
Na Tabela 2 observa-se a caracterização dos acidentes ofídicos atendidos e notificados
no Ceatox-CG, segundo as variáveis sociodemográficas. Os acidentes foram mais frequentes no sexo masculino, com 199 casos (71,8%). Através da análise de Correlação de Pearson, avaliamos a relação existente entre os grupos, que apresentou correlação positiva (r=0,883). Com relação à faixa etária, observou-se maior frequência de acidentes entre 10 e 19 anos, para ambos
os sexos, contribuindo para 22,8% das ocorrências. Observa-se, também, que para a variável grau de instrução, prevaleceu o número de casos ignorados: 154 (55,6%).
No tocante à ocupação, constatou-se que a maioria dos acidentes ocorreu em agricultores, 127 casos (45,8%), e na zona rural, 205 casos (74%).
Tabela2
Os acidentes ofídicos ocorreram durante
todos os meses, ainda que de forma
irregular. Observou-se um pequeno aumento nas notificações no período de maio a novembro, e um declínio de casos nos meses de dezembro a abril. Contudo, a maior incidência de acidentes ofídicos ocorreu no mês de agosto, com 37 casos (13,4%), seguidos dos meses de julho, com 34 (12,3%), e de setembro e novembro, 33 (12,0%) (Figura 1).
Figura 1
Os municípios com maior ocorrência de acidentes foram: Campina Grande, representando
10,8%, Taperoá (6,8%), Soledade (6,4%), Boa Vista (4,3%) e Barra de Santana (4,1%); os demais municípios apresentaram índice menor que 4% (Figura 2).
Figura 2
Com relação à região anatômica, na qual ocorrem as picadas das serpentes, as extremidades foram os locais de maior predominância,
com 246 casos (88,8%), sendo 65 deles (26,4%) na extremidade superior e 181 (73,6%) na extremidade inferior. Na extremidade superior, o dedo da mão foi o local mais acometido, 37 ocorrências (56,9%); na extremidade inferior foi o pé, com 134 casos (74,0%) (Tabela 3).
Tabela 3
Com base no diagnóstico e/ou identificação